quarta-feira, 30 de maio de 2012

Um filme de comédia, uma arma e um balde de pipoca.

O cigarro queimava no cinzeiro, a fumaça saia da brasa como se dançasse uma valsa. Era a quarta dose de uísque cowboy que Ricardo tomava. Esta no apartamento que ainda não terminara de pagar, sentado no sofá apenas de cueca. A sala era iluminada apenas pela luz azulada da televisão, estava passando um filme de comédia. Não o achava engraçado.

Ao fim da quinta dose de uísque barato, teve coragem de engatilhar o velho trinta e oito de seu falecido pai. Tomou outra dose. Estava com 39 anos, calvo, dirigindo um Fiat 147, num emprego que odiava e com uma vida medíocre.

Perguntava-se onde tinham se metido todos aqueles ideais de quando era jovem. Sentia falta das passeatas de quando era estudante, dos anseios de fazer a diferença. Mas o tempo passa e as contas vão chegando no fim do mês. As semanas atropelam e, quando se deu conta de que os anos já o pisoteavam, já começava a ter uns poucos cabelos grisalhos.

Sentiu o gosto do cano do trinta e oito. O gosto de metal e de poeira. Fechou os olhos e deixou uma lágrima cair. Já não valia a pena viver sendo infeliz, sua mão tremia e seu dedo tremia mais ainda, encontrava forças para puxar o gatilho.

Um som ecoou pelo apartamento. Um som de tiro. Uma mancha vermelha pintou a parede atrás do sofá.

Abriu os olhos, olhou para o lado e viu um cara de terno e óculos escuros segurando um balde de pipoca e rindo do filme de comédia que passava na televisão.

- Adoro esse filme!

Então o cara de terno pegou o controle da tevê e a desligou. Ricardo se levantou depressa e deu uma boa olhada na cena: um estranho no sofá ao lado de um corpo. O seu corpo.

- Você... você é a morte? - indagou Ricardo, com a voz fraquejando, mas sentindo certo alívio.

- Bem, certamente não sou o Papai Noel. Sim, cara, sou o que vocês chamam de "morte".

- Graças a Deus! E você vai me levar?

- Ainda não. Aliás, acho que você tem visita.

Houve um barulho vindo da porta, como se alguém estivesse tentando arrombar. De fato, estava: e conseguiu na segunda tentativa. Ricardo sentiu-se ser puxado de volta para o próprio corpo. A bala não tinha ido para a cabeça, mas atravessado sua boca e espinha. Viveria mais um dia para ser infeliz, só que desta vez tetraplégico.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sons.

O som do isqueiro acendendo um Marlboro
O som da respiração
O som do luar

(Silêncio)

O som de um olhar
O som da aproximação
O som de uma respiração ofegante no pescoço

domingo, 6 de maio de 2012

Antes de dormir.

Aí você sente aquele nó na garganta, fica encarando o teto do seu quarto e pensando no que diabos está acontecendo. Boceja, fecha o olho, tenta dormir. Fica rolando na cama até que desiste, levanta, vai tomar um copo d'água e acende um cigarro.

Fica encarando a cidade debaixo da janela e imagina o que aconteceu de errado. Qual cagada você fez dessa vez, se esqueceu de algo, se disse algo. Pensa em como sente falta daqueles momentos, mas não tanta falta assim. Lembra com carinho e tem maturidade para seguir em frente.

É que às vezes as coisas simplesmente não são para acontecer, com o perdão do clichê. É preciso saber tomar o rumo certo, não se prender a sentimentos que já não são mais compartilhados. É difícil, um dia passa. E você conhece outra pessoa. E acontece tudo de novo. E você acende outro cigarro, pede outra cerveja.