domingo, 30 de outubro de 2011

Pobre Eduardo.

Mal se aguentava de pé. O ponteiro do relógio indicava duas da madrugada e seu hálito indicava algumas cervejas além da conta.

Observava o próprio reflexo no espelho do elevador, parecia subir em câmera lenta. A grande caixa de metal não parava de girar, mais parecia algum desses faraônicos brinquedos de parque de diversão, sentiu alívio quando a porta abriu e finalmente estava no 16º andar.

Passou uns dez minutos tateando o próprio corpo à procura da chave da porta e outros dez minutos para, enfim, metê-la na fechadura.

Tinha seus passos leves, não queria acordar seus pais. Estava bêbado, fedendo a cigarro e com o vestibular batendo à porta no dia seguinte. Eduardo era um desses alunos que o colégio investe para exibir sua foto em outdoors pela cidade estampando o primeiro lugar de medicina na federal.

Mas Eduardo, preparado para sacrifícios, tomou a única atitude que é necessária para ser considerado um homem de verdade: levou um belo pé na bunda e, como o homem que é, havia passado a noite da véspera do vestibular bebendo numa esquina qualquer e chorando suas lágrimas no ombro do vendedor de espetinho que mal o escutava.

Juliana era seu nome. Branquinha, de cabelos ruivos e algumas sardas no rosto. Baixinha, parecia meio frágil, era dessas que gostava de rock, esmalte preto nas unhas e piercing no nariz, mas sem deixar sua delicadeza e meiguice de lado. Ela assistia anime mas não perdia um capítulo da novela das oito. Eduardo estava apaixonado, simples assim. E ela parecia perfeita.

Pois bem, na visão de Eduardo ele não seria capaz de se apaixonar por qualquer uma, não mesmo! Tinha que ser uma menina única e especial, tinha que ter algo que ele simplesmente não sabia explicar. Adorava ouví-la, fosse defendendo as idéias de Lênin ou falando sobre o último episódio de Gossip Girl. Sentia-se burro perto dela, ela era tão bonita, tão inteligente, tão... tão... tão alternativa!

Ela era dessas garotas que sabem como cativar, mesmo sem querer. É simpática por natureza e incrivelmente linda, que tem opinião sobre tudo e sabe como argumentar. Ela parecia tão especial, e ele tão comum. Eduardo imaginava o que ela havia visto para permitir uma troca de salivas tão ardente.

E tudo parecia às mil maravilhas. Estava tudo perfeito. Até que certo dia Juliana simplesmente o trocou por um desses ratos de academia com um réptil na camisa e um carro de R$ 40 mil com um som no porta-malas tocando os sucessos do carnaval da Bahia de 2010.

A moral da história? Não importa o quanto ela pareça inteligente, esperta e diferente de todas as outras, no fim, você vai saber que não é mais burro que ela, que ela fala merda pra caralho e que ainda é igual a todas as outras mulheres.

E o pobre Eduardo? O futuro médico prometido a encontrar a cura do câncer? Foi fazer o vestibular de ressaca e acabou vomitando no cartão-resposta.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Platonismo.

Colecionava algumas pontas de cigarro no cinzeiro de vidro enquanto esperava. Paciência não era uma de suas virtudes, mas naquele caso não tinha outra opção. Chegara dez minutos antes do combinado e já esperava há quase uma hora.

Quando viu a bela moça de cabelos ondulados entrar pela porta do café sentiu um misto de alívio e uma pitada de raiva pela espera. Esboçou um sorriso amarelo e levantou-se para cumprimentá-la com um beijo no rosto. Puxou a cadeira para ela sentar e sentou em seguida.

Ela se desculpava pelo atraso, inventou uma desculpa que estava no trânsito e pediu um cigarro. Paulo pegou seu maço do bolso da camisa e tirou um, já estavam nos últimos. Observou-a colocar o cigarro nos lábios vermelhos e suas delicadas mãos acenderem o isqueiro Bic. Renata deu uma tragada e soltou a fumaça pelas narinas - ela sempre fazia isso na primeira tragada.

Quando Renata finalmente terminou o cigarro, Paulo deu a idéia de dar uma volta a pé pelas redondezas. Não que ela estivesse com vontade de andar, mas sentia-se um pouco culpada pelo tempo que o fizera esperar. Sorriu e disse que era uma grande idéia. Ambos andavam pela calçada, era um dia de sol e o vento quente lhes acariciava o rosto.

Paulo caminhava com as mãos enfiadas nos bolsos, observando algumas folhas caídas no chão. Lembrou-se de seus tempos de menino, gostava de pisar em folhas secas para ouvir o som delas estalando. Foi mais ou menos nessa época que conhecera Renata. Ela, uma menina de pernas finas e cabelo assanhado, sempre brincando com os meninos da vizinhança, hoje uma mulher bonita e desejada.

A conhecia melhor que ninguém, sabia de seus medos, suas dúvidas e suas fraquezas. Em sua juventude, havia sido apaixonado por ela, agora restavam apenas alguns resquícios de amor junto ao desejo de sua pele. Uma amizade que, para ele, era cada vez mais necessária, enquanto que para ela, tornava-se a cada dia um fardo, uma obrigação. Ele simplesmente fingia não ver isso. Gostava de pelo menos estar ao lado dela.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Fim.

Aquela briga tinha sido das feias, uma das maiores que a gente teve em quatro anos de namoro. Eu nem sequer me lembrava como tinha começado, mas de repente tudo o que tava na garganta resolveu sair de uma vez, tudo que tava entalado, tudo no cotidiano que nos incomodava mas ignorávamos para manter o bom convívio.

Agora Renata estava no banheiro, aos prantos. Foram bons minutos de gritaria. Eu estava na cozinha tomando um copo d'água com a bochecha ainda queimando do tapa que ela havia me dado. Geralmente quando se começa uma briga assim a gente tem a impressão de que vai tudo acabar bem, com uma reconciliação na cama e declarações de filmes românticos, desses que já estamos cansados de ver.

Mas dessa vez a coisa parecia séria. Ela passou quase uma hora no banheiro até parar de soluçar e sair de uma vez, indo direto ao quarto e tirando as coisas dela do guarda-roupa. Fiquei encostado na porta, de braços cruzados, apenas observando-a. Ficamos em silêncio. E eu soube que tudo havia acabado quando ela tirou o Álbum Branco dos Beatles que estava no meu porta-CDs.