sexta-feira, 27 de abril de 2012

Suicídio.

Acho que suicídio talvez seja a melhor forma de morrer. Quer dizer, você decide hora, local, tudo. É algo que está no seu controle, na sua vontade. Talvez seja uma medida desesperada de quem não tem mais nada a perder, talvez seja uma forma de sair da mesa enquanto está ganhando.


De qualquer maneira, é algo para os corajosos. Neste caso, sinto-me um covarde. Gosto de saborear a vida como quem saboreia um bom vinho, assiste um bom filme, lê um bom livro, sente o prazer das pernas de uma bela mulher.


Gosto de respirar. Gosto de estar vivo e de errar, de apostar alto, sem saber se meu par de reis leva as fichas da mesa. Gosto de pisar no acelerador e só passar a marcha nos 7rpm. Gosto de arriscar, saber meus limites e quebrá-los. Gosto de viver sem imaginar como estarei daqui a cinco anos.


Ainda tenho muito o que viver e, quando eu estiver com meus 80 anos (se é que chegarei lá), ainda terei muitos vinhos para saborear, muitos filmes para assistir, muitos livros para ler e... bem, existe viagra para isso.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Cigarro mata.

Acordou coberto de suor, atordoado, sem saber o que havia acontecido. Demorou uma fração de segundo até perceber que estava em sua cama e havia tido um pesadelo, não lembrava bem o que tinha sonhado, mas sentia-se com certa angústia.

Levantou-se, foi até a cozinha e tomou um copo d'água. Sentiu uma ponta de arrependimento por ter parado de fumar. Precisava desesperadamente de um cigarro. Havia parado há três dias, o último maço de Marlboro vermelho jazia em sua mesinha, vazio.

Colocou um jeans e a primeira camisa que viu. Precisava realmente de um cigarro a ponto de sair de casa às três da madrugada de uma quarta-feira. Trancou a porta e desceu as escadas com certa pressa. Caminhou três quarteirões até o bar do Nogueira. Lá sempre estava aberto e vendia cigarro.

Pediu um maço ao seu Nogueira, um senhor careca e de bigode grisalho, corpulento e baixo. Não tinha Marlboro, só Free. Detestava Free, mas era o jeito. Pagou com uma nota de cinco e recebeu uma moeda de troco. Guardou na carteira.

Tirou o isqueiro de prata do bolso - havia sido presente de seu tio - e o cigarro do maço. Acendeu enquanto andava pela rua, dando uma bela tragada. Um táxi furou o sinal vermelho.

Não houve uma segunda tragada.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Ao som de um violão

Não fazia a barba há três dias. O espelho do banheiro estava quebrado e sua mão cortada. A covardia ainda o impedia de fazer o que deveria ser feito. Na sua opinião a vida não havia mais sentido. Não, a vida fazia todo o sentido, mas não encontrava motivos para viver. O vinho já não tinha mais o mesmo sabor, nem sua pele o antigo desejo.

Pensava apenas numa pessoa. Precisava apenas de uma pessoa. Aquela com quem passou os momentos mais felizes de sua vida, aquela que lhe mostrou a felicidade de conviver a dois. Não se viam há uma semana. Uma última conversa e finalmente deixaria a lâmina de uma faca transpassar por seu pulso, com todo o vermelho saindo de seu corpo da mesma maneira que a felicidade lhe fugiu há uma maldita semana.

Sentado no sofá, aquele homem de cabelos pretos, com o desespero lhe vencendo, se chamava Zé.

Zé era um músico que cantava na noite, principalmente em barezinhos, com uma vida bohemia. Conhecia as músicas do Chico Buarque como ninguém. Em seu repertório não faltava Djavan, Toquinho e Cazuza. Sempre encontrou o conforto para seu desespero na música. Principalmente quando se tratava de sua vida amorosa. Mas nunca, em toda a sua curta história, ninguém decepcionou seu coração tanto assim. Uma última apresentação ainda seria necessária.

Se levantou do sofá, tomou banho, se arrumou, pegou as chaves do carro e logo dirigia para um barzinho que cantava toda terça-feira. Marcou com ele lá.

Banquinho, violão, pedidos de músicas em guardanapos amassados. As últimas notas de O Que Será, do Chico, foram seguidas por tímidos aplausos. A fumaça de cigarro, a cerveja que esquentava nas mesas, os risos das conversas cotidianas e aqueles que bebiam acompanhados de sua solidão.

Muitos afogavam as mágoas numa dose de uísque barato com muito gelo, Zé cantava suas mágoas ao som de um violão.

Pediu um intervalo ao público. Era a hora. Quando avistou Carlos numa mesa bebendo uma dose de Campari com limão, seu coração disparou. Se aproximou, sentou a sua frente e um nervosismo tentava lhe dominar. Deveria manter a calma, demonstrar que estava tudo bem.

- Como você tá, cara? - perguntou Carlos, no seu tom sutil, molhando os lábios com um gole no Campari.

- Tô bem. Tô ótimo. E contigo? - forçava uma calma assim como forçava um sorriso. Carlos o conhecia bem demais para saber o que se passava em sua mente.

- Cê sabe, Zé, minha vida profissional está indo muito bem.

- E amorosa? Tá saindo com alguém? - uma curiosidade pertubadora que o fazia falar merda. Não acreditava que estava sendo tão óbvio assim.

A quatro anos tocava naquele barzinho, há dois conheceu Carlos ali, naquela mesma mesa. Uma amizade que, no fim, se tornou muito mais que uma amizade. Um relacionamento que tinha tudo para dar realmente certo.

- Amanhã sai meu vôo para a Itália.

- Volta quando? - as respostas de Zé eram como reflexos, daqueles que sempre queremos nos livrar mas nunca conseguimos

- Não sei. Pretendo ficar lá até minha carreira se fixar.

Seus lábios começavam a secar. Agradecia aos céus por estar sentado, senão cairia de tão bambas que suas pernas estavam. As mãos com os dedos entrelaçados para não deixar que Carlos percebesse o quanto elas tremeriam se etivessem livres. E um silêncio começou a reinar naquela mesa.

- Mas vou vir sempre aqui para ver a família, amigos.

- Sei - disse Zé, num tom baixo.

- A gente podia se ver sempre. Como amigo.

"Claro", tentou responder. Não conseguia mais pronunciar palavras com mais de uma sílaba. Doía o silêncio que mais uma vez se arrastava até ali. Sem palavras. Sem saber o que fazer nem o que pensar. Esperou uma semana pelo maldito silêncio. As cordas do violão o chamavam.

- Tenho que ir, voltar a tocar. Adeus.

Carlos ainda abriu a boca para falar algo, porém, nada disse. Apenas escreveu com a Bic azul num guardanapo.

Preciso Dizer Que te Amo, do Cazuza. Foi a música que cantou ao ver seu grande amor pedir a conta. Cantando, seus pensamentos voavam. Talvez já pudesse desistir de viver sem arrependimentos, talvez fosse esperar um pouco mais para dar a última nota.