quinta-feira, 19 de junho de 2014

poesia requentada

a poesia
está para o amor
como o café
está para uma noite insone

pisou na merda?
abre os dedos

sábado, 7 de junho de 2014

No engarrafamento.

O sol do meio-dia banhava a cidade. Preso em seu carro, preso no engarrafamento, junto a tantas outras almas voltando ao trabalho depois do horário do almoço, observava os números e as letras das placas dos outros carros dançando através do calor que emergia do chão. Seu ar-condicionado estava quebrado, e se arrependia amargamente por não ter ido à oficina três dias atrás - quando tinha tempo - consertar. Agora sofria as consequências disso experimentando a sensação de estar dentro de um forno. Sentia o suor brotando em pequenas gotas no nariz e na testa, escorrendo sob suas axilas. Temia ficar fedido a suor, a ideia de ser percebido dentro de um ambiente fechado pelo mal cheiro que exalava lhe causava arrepios. "Vão perceber que estou fedendo, que o fedor vem de mim", pensava.

O sinal abriu, alguns carros passaram, se tornou amarelo e depois voltou a ficar vermelho. Ainda demoraria muito para poder sair dali? Seria uma batida mais na frente não permitindo o trânsito fluir mais rápido? Ou seria o calor fazendo o tempo passar mais devagar? Nem o calor, nem o tempo e nem o trânsito passavam. Já havia desistido de achar no rádio alguma estação que lhe agradasse, era como se estivesse fadado a viver cada segundo arrastado daquele engarrafamento em sua plenitude. Pensou na morte e em como era um jeito fácil de resolver todo e qualquer problema: se morresse ali mesmo, jamais teria que suportar mais nenhum engarrafamento, nenhuma reclamação do seu chefe por ter chegado atrasado ou sequer se preocupar se estaria com cheiro de suor ou não.

Lembrou-se das palavras de seu pai: "Faça uma faculdade, se forme, arranje um bom emprego e depois se case". Depois de sua pós-graduação, o máximo que conseguiu foi um emprego razoável, com um salário razoável para manter seu padrão de vida razoável. Até sua esposa era razoável, mas o que mais lhe incomodava no momento era o ar-condicionado quebrado do carro também razoável. Agora ia todos os dias trabalhar para pagar o colégio particular dos filhos (que não estava barato) e poder viajar para Orlando nas férias. E todos os dias que ia trabalhar eram a mesma coisa, o mesmo engarrafamento, o mesmo escritório, o mesmo chefe. De súbito um pensamento lhe causou uma náusea que pareceu sentir em sua alma: estava vivo, existia, e se morrer fosse a solução para todos os problemas, se deixar de estar vivo fosse a solução mais rápida, então os elementos de sua existência se resumiam a tudo isso que tanto lhe causava irritação e desgosto pela própria vida. Sua mão era a extensão do seu ser, do seu corpo, como estar naquele engarrafamento com o ar-condicionado quebrado era uma extensão da sua existência, do conjunto de escolhas que o levaram até ali, até aquele momento.

Sinal verde.