quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Diante do fim.

Eu caminhava pela calçada quando senti um cutucão no ombro, seguido de uma voz falando: "ei, doutor, me salva um careta?". Respirei fundo, não se aborda ninguém por trás. Pensei por uma fração de segundo, meti a mão no bolso para tirar minha carteira de Marlboro e me virei para trás. O rapaz não deveria ter mais do que 15 anos, era muito magro e a arma que segurava apontando para a minha cabeça parecia ser mais pesada do que ele poderia aguentar.

"Calma", pensei comigo mesmo.

Geralmente, quando caminho só, costumo indagar sobre essas questões existenciais, o sentido da vida, de onde viemos e essa porra toda. É bem como quando fazemos discursos imaginários no espelho do banheiro, nos sentindo Lênin falando para milhares de pessoas prestes a começar uma revolução.

Por algum motivo - talvez por ter uma arma apontada à minha cabeça -, "a vida passou diante dos meus olhos". Eu só conseguia pensar no livro eu que não havia terminado de ler, na trilogia do De Volta Para o Futuro que eu ainda não tinha deixado na locadora, no lixo que eu não tinha colocado para fora (Lúcia ia me matar se o lixo não estivesse fora à noite).

Nas minhas caminhadas pensativas, eu nunca tive idéias tão desesperadoras, calmas e racionais como naquela fração de segundo em que eu tinha uma overdose de pensamentos com um moleque me apontando uma arma.

Pensei em como seria morrer, se eu sentiria alguma dor, se alguém ainda se lembraria de mim daqui a dez anos. Indaguei se Deus realmente existia, não senti vontade de rezar ou de clamar piedade divina, apenas me perguntei como seria o mundo sem mim. Cheguei à conclusão de que seria o mesmo, de o quanto a morte é banal e comum quando se trata dos outros, mas tão importante quando é a nossa. Somos egocêntricos e nos importamos mais com nós mesmos: não que isso seja um defeito, é apenas ser humano.

O que mais me chateava era saber que tudo continuaria como sempre, que poucas pessoas lamentariam de verdade a minha morte, que a festa seguiria sem mim. Mas não havia outra escolha senão aceitar o que seria inevitável.

"Bora, caralho, me passa logo a porra desse cigarro", agora não havia mais doutor em sua frase, seu lábio superior estava levemente contraído e seus olhos expressavam raiva.

Tirei a carteira de cigarro do bolso e entreguei a ele. Ele pegou, deu meia volta e saiu apressado.

Fiquei lá, aliviado por estar vivo, mas desesperado por continuar respirando após as indagações que haviam surgido naquele instante diante do fim.

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