terça-feira, 28 de outubro de 2014

Amor que fica.

Eu já contei a história de como conheci sua mãe. De como fomos colegas de escola e acabei a reencontrando dez anos depois, e de como me apaixonei de cara já na primeira vez que a vi. Ela sempre teve esse jeitinho protetor que encantava. Aquele jeito de ajeitar meus óculos quando eles estavam caídos na ponta do nariz, sempre querendo me impedir de fazer merda. Mas eu nunca fui um santo, meu filho, e você sabe disso, tive algumas outras mulheres antes da sua mãe, mas me apaixonar por outra mulher, me apaixonar mesmo, acho que só aconteceu uma vez. Foi quando eu estava na faculdade e ainda era um estudante sem um centavo no bolso. Havia, naquela época, lá pelo Bairro dos A******, uma casa de massagem que era bastante conhecida pela região… sim, casa de massagem é um eufemismo para puteiro, você já não é mais nenhuma criança e por isso estou contando essa história, agora escute. Enfim, alguns dos meus colegas, que geralmente tinham mais dinheiro que eu, costumavam ir com certa frequência, e vez ou outra eu acabava acompanhando só para tomar umas e outras. Eis que, certa vez, acabo me deparando com ela. Lembro como se fosse ontem. Lá estava eu, sentado, falando sobre o gol do Corinthians anulado injustamente no jogo do dia anterior, quando me aparece aquela negona de supetão no meio do bar. Ela tinha cerca de um metro e setenta e ficava mais alta com aqueles saltos. Usava um vestido curtinho, com o cabelo bastante cacheado batendo naquela bunda de fazer inveja a qualquer funkeira dessas que aparece na televisão hoje em dia. Tinha uma cintura que parecia ter sido esculpida pelos deuses. Assim que ela entrou no meu campo de visão, já não conseguia mais nem lembrar do gol do Corinthians que havia sido anulado. Devo ter passado uns dez segundos em transe, boquiaberto, e só fui voltar a mim quando um colega começou a me cutucar o braço perguntando o que eu tinha. Como outras noites ali, claro que eu só tinha o dinheiro da minha parte da cerveja e não podia me dar ao luxo levá-la para o quarto. Acabei saindo pouco tempo depois, e durante as duas semanas seguintes eu só conseguia pensar naquela mulher que eu sequer sabia o nome. Tudo o que eu mais queria, durante aquelas duas semanas, era poder tê-la em meus braços, e a possibilidade de poder possuir aquela mulher em uma cama me obrigou a fazer o que qualquer homem sensato faria: economizar dinheiro para poder voltar lá. E assim, com o fim de duas semanas, finalmente soube seu nome, e finalmente tinha o dinheiro para passar uma noite inteira com ela. Ela se chamava Juliana, e até hoje me pergunto como eu conseguia ficar de pé com as minhas pernas tremendo daquele jeito, de tanto nervosismo, enquanto ela abria a porta do quarto. Aquela mulher tinha o sorriso mais lindo que já vi em toda a minha vida. E passamos a noite toda trancados naquele quarto. Quando eu cheguei devia ser umas oito da noite, no começo do expediente, e quando saí era quase de manhã. E quer saber o que foi engraçado? É que passamos a noite toda conversando, rindo, falando besteira, falando da vida. Nem sequer tiramos a roupa. Ela era da Bahia e não tinha dois meses que estava na cidade. E as semanas que se seguiram depois dali foram, talvez, um dos períodos mais felizes da minha vida. Eu cansei de pegá-la para ir ao cinema depois que ela saía do trabalho, para você ter ideia. Óbvio que eu cheguei a comer depois, e como eu era um estudante liso, ela que geralmente pagava o motel, e devo confessar que foram as trepadas mais sensacionais que já tive na vida, de fazer inveja a Deus e ao Diabo. Mas, como tudo na vida, acaba dando merda uma hora. E o dia da merda acontecer acabou chegando. Certa vez apareceu um capitão de polícia no cabaré, que pelo visto também se apaixonou por ela. Disseram que assim que ele bateu o olho nela, já levou para o quarto. Só que o filho da puta era um cavalo, e a maneira de expressar sua paixão foi dando uma surra nela. Uma das colegas dela que veio me chamar quando a coitada da Juliana foi hospitalizada. A raiva me subiu a cabeça quando me contaram a história inteira, tive vontade de arranjar uma arma e ir atrás do animal que havia feito isso, e quase arranjei, mas acho que um surto de consciência me veio à cabeça, e junto com ele uma das piores sensações que já senti em toda a minha vida, dessas que parece castrar qualquer homem, o de se sentir impotente, de não poder proteger a mulher que está ali do seu lado e saber que quem a machucou continuaria sua vida como se nada tivesse acontecido, como se aquele tivesse sido só mais um dia sem importância. Afinal de contas, o infeliz era capitão da polícia com mais de sete mortes nas costas e eu era só um estudante de direito sem um centavo no bolso. Ainda fui atrás de falar com o tio de um colega que também era policial e conhecia o tal capitão. Sabe o que ele me disse? Que o capitão era um dos homens mais honestos da corporação, que nunca havia chegado atrasado e que sabia como ir atrás dos vagabundos, o filho da puta era temido e intocável. Ela recebeu alta três dias depois, e durante esses três dias não saí do lado dela. A coitada ficou tão assustada, tão traumatizada, que assim que melhorou voltou para a Bahia. Foi com lágrimas nos olhos que ela se despediu de mim, pedindo para visitá-la assim que eu pudesse. Prometi que iria, mas a verdade é que nunca fui, talvez pela vergonha de encará-la depois de me sentir tão covarde por não ter feito nada. Ainda trocamos algumas cartas, e no fim das contas ela acabou se casando por lá e nunca mais tive notícias. Acho ela nunca me perdoou pela minha covardia. Não a covardia de não ter feito nada contra o capitão, mas a covardia de não conseguir olhá-la nos olhos depois de tudo isso.

Nenhum comentário: