seus lábios me tocam
enquanto sinto sua pele
sua língua
invadindo minha boca
suga a minha alma
e a razão do meu ser
o quarto diminui de tamanho
e toda a existência
é preenchida por nós
por nossos corpos
grudados
pelo
suor
e o mundo
poderia acabar
naquele momento
que nem o universo
e muito menos eu
sentiríamos falta
quarta-feira, 4 de março de 2015
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015
A Caixa
Escuro. Pouco ar. Não havia sequer uma fresta de luz, apenas odor de corpos suados se esfregando um no outro por não haver espaço nem para sentar, o odor de excrementos humanos sob pés descalços e o som de gemidos de dor e de morte. Não se poderia ter ideia de quantas pessoas havia ali, sequer poderia ter ideia da dimensão daquela caixa de concreto. De repente, luz. Uma luz que cega os olhos acostumados ao escuro. Uma pequena abertura no teto que estava a muitos metros do chão, e os rostos sujos e cadavéricos de homens e mulheres e crianças e velhos se iluminam e o sol lhes arde a pele despida. Neste momento, pode-se ver uma enorme garra metálica descendo e entrando na caixa. O medo do desconhecido e a vontade de sair dali se misturam a gritos de socorro e de piedade. Como quem pega um bicho de pelúcia, a garra captura alguém. O metal gelado lhe abraça o tronco e lhe ergue, enquanto outros tentam inutilmente se agarrar a seu corpo para tentar a sorte e sair daquele lugar. Apenas uma pessoa consegue se agarrar a seu pé, mas acaba caindo em cima daquela multidão de cadáveres vivos antes da garra sair totalmente da caixa, e a mesma multidão observa a luz desaparecer mais uma vez enquanto a abertura no teto se fecha.
Luz. Seus olhos demoram a se acostumar, sua cabeça começa a doer, tenta falar algo mas não consegue. O som de passos se aproximando o assusta. Seus olhos continuavam cegos pela claridade quando sente um jato de água forte lhe lançar contra uma parede. É difícil se manter em pé. Há quanto tempo estava naquela caixa? Há quanto tempo estava sem comer, sem dormir? Horas? Dias? Semanas? Meses? Como conseguiu se manter vivo? Finalmente consegue desmaiar ainda sob o jato de água que lhe açoitando o corpo.
Branco. Sentia-se descansado, limpo, sob lençóis limpos e com cheiro de amaciante e tudo ao seu redor era branco. Seus olhos começavam a se acostumar, já conseguia distinguir alguns vultos, inclusive alguém se aproximando. Sentiu uma picada no braço e dormiu.
Um quarto. Despertou. Sua visão já estava boa e conseguia ver com clareza que estava em um quarto que mais parecia um apartamento hospitalar. Era amplo e sua cama era confortável, mas provavelmente, depois da caixa, até um asfalto sob o sol do meio-dia seria confortável. Uma porta se abre, entra alguém vestido de branco segurando uma pequena caixa preta do tamanho de um cubo mágico. É um homem e se senta de pernas cruzadas numa cadeira ao lado da cama.
"O senhor deve ter muitas perguntas", diz o homem, "mas agora não há tempo para as respostas que o senhor deseja. Para ser franco, até que há tempo, mas é totalmente indiferente para mim que o senhor tenha qualquer pergunta a ser feita, creio que seja importante esclarecer isso desde já, pois não serei eu quem irá responder qualquer coisa que o senhor o queira saber. Apesar de não trazer uma resposta para as suas dúvidas, trago opções, mesmo que limitadas. Este artefato em minhas mãos é uma réplica em miniatura exata de onde o senhor esteve hospedado recentemente. Estou ciente do eventual desconforto que a estadia lá possa ter lhe causado, mas lamentar e queixar-se neste momento não mudará nada. Saiba que tudo agora depende do senhor. Enfim, eis as opções: dentro da réplica há um controle remoto com dois botões, um vermelho e um azul - o senhor está prestando atenção? -, no qual coisas distintas irão acontecer dependendo de qual botão o senhor optar. Se o senhor escolher o botão azul, um gás será expelido dentro da Caixa e sufocará todos que estão lá, mas o senhor poderá ser livre para seguir a vida que seguia antes de ser nosso hóspede; caso o senhor decida pelo botão vermelho, um buraco se abrirá sob a sua cama e o senhor cairá de volta para onde estava para se juntar novamente com os outros que ainda estão lá. Devo salientar que, caso o senhor escolha voltar para onde estava, outro candidato será, assim como o senho foi, aleatoriamente trazido para cá para fazer a escolha que o senhor deve tomar agora. O senhor terá duas horas para pensar. Boa noite".
Luz. Seus olhos demoram a se acostumar, sua cabeça começa a doer, tenta falar algo mas não consegue. O som de passos se aproximando o assusta. Seus olhos continuavam cegos pela claridade quando sente um jato de água forte lhe lançar contra uma parede. É difícil se manter em pé. Há quanto tempo estava naquela caixa? Há quanto tempo estava sem comer, sem dormir? Horas? Dias? Semanas? Meses? Como conseguiu se manter vivo? Finalmente consegue desmaiar ainda sob o jato de água que lhe açoitando o corpo.
Branco. Sentia-se descansado, limpo, sob lençóis limpos e com cheiro de amaciante e tudo ao seu redor era branco. Seus olhos começavam a se acostumar, já conseguia distinguir alguns vultos, inclusive alguém se aproximando. Sentiu uma picada no braço e dormiu.
Um quarto. Despertou. Sua visão já estava boa e conseguia ver com clareza que estava em um quarto que mais parecia um apartamento hospitalar. Era amplo e sua cama era confortável, mas provavelmente, depois da caixa, até um asfalto sob o sol do meio-dia seria confortável. Uma porta se abre, entra alguém vestido de branco segurando uma pequena caixa preta do tamanho de um cubo mágico. É um homem e se senta de pernas cruzadas numa cadeira ao lado da cama.
"O senhor deve ter muitas perguntas", diz o homem, "mas agora não há tempo para as respostas que o senhor deseja. Para ser franco, até que há tempo, mas é totalmente indiferente para mim que o senhor tenha qualquer pergunta a ser feita, creio que seja importante esclarecer isso desde já, pois não serei eu quem irá responder qualquer coisa que o senhor o queira saber. Apesar de não trazer uma resposta para as suas dúvidas, trago opções, mesmo que limitadas. Este artefato em minhas mãos é uma réplica em miniatura exata de onde o senhor esteve hospedado recentemente. Estou ciente do eventual desconforto que a estadia lá possa ter lhe causado, mas lamentar e queixar-se neste momento não mudará nada. Saiba que tudo agora depende do senhor. Enfim, eis as opções: dentro da réplica há um controle remoto com dois botões, um vermelho e um azul - o senhor está prestando atenção? -, no qual coisas distintas irão acontecer dependendo de qual botão o senhor optar. Se o senhor escolher o botão azul, um gás será expelido dentro da Caixa e sufocará todos que estão lá, mas o senhor poderá ser livre para seguir a vida que seguia antes de ser nosso hóspede; caso o senhor decida pelo botão vermelho, um buraco se abrirá sob a sua cama e o senhor cairá de volta para onde estava para se juntar novamente com os outros que ainda estão lá. Devo salientar que, caso o senhor escolha voltar para onde estava, outro candidato será, assim como o senho foi, aleatoriamente trazido para cá para fazer a escolha que o senhor deve tomar agora. O senhor terá duas horas para pensar. Boa noite".
haicais
i
no meio do caminho
encontrei seu carinho
que saiu bem carinho
ii.
com gostinho de festa
o docinho que me deste
na língua ainda resta
iii.
eis a eterna chama
de longe a clama
de perto a ama
iv.
a puta ganha
a lua, e a chuva
banha a rua
v.
quáquáquás e paixões
entre patos e pathos
e desejos patéticos
vi.
amor de fogo
nesse infindo jogo
papel de bobo
vii.
telas iluminando rostos
enquanto abraços
esquecem outros corpos
viii.
chuva no vidro do carro
mormaço subindo do asfalto
e uma pedra no meu sapato
ix.
pontas de cigarro no cinzeiro
todas com marcas de insônia
nenhuma com marca de batom
x.
o dia, habitante sem rumo
de um diamante imundo
com o sangue do mundo
no meio do caminho
encontrei seu carinho
que saiu bem carinho
ii.
com gostinho de festa
o docinho que me deste
na língua ainda resta
iii.
eis a eterna chama
de longe a clama
de perto a ama
iv.
a puta ganha
a lua, e a chuva
banha a rua
v.
quáquáquás e paixões
entre patos e pathos
e desejos patéticos
vi.
amor de fogo
nesse infindo jogo
papel de bobo
vii.
telas iluminando rostos
enquanto abraços
esquecem outros corpos
viii.
chuva no vidro do carro
mormaço subindo do asfalto
e uma pedra no meu sapato
ix.
pontas de cigarro no cinzeiro
todas com marcas de insônia
nenhuma com marca de batom
x.
o dia, habitante sem rumo
de um diamante imundo
com o sangue do mundo
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
o cotidiano e o tempo
fui à padaria comprar pão
andei três quarteirões
comprei dois carioquinhas
e tomei uma cerveja
o pão não estava tão quente
nem a cerveja tão gelada
na volta percebi o meu reflexo
no vidro de um carro estacionado
e fiquei sem saber
se era a minha barba crescendo mais depressa
ou se era o tempo passando mais rápido
andei três quarteirões
comprei dois carioquinhas
e tomei uma cerveja
o pão não estava tão quente
nem a cerveja tão gelada
na volta percebi o meu reflexo
no vidro de um carro estacionado
e fiquei sem saber
se era a minha barba crescendo mais depressa
ou se era o tempo passando mais rápido
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
a cidade
caixa sobre caixa
pessoas vivendo em caixas
com olhos grudados em caixas
caixa
sobre
caixa
jaula
sobre
jaula
com olhos grudados em jaulas
pessoas vivendo em jaulas
jaula sobre jaula
(há uma janela em minha jaula
de onde vejo o sol nascer
e assim alimento minha ilusão
de ser livre)
pessoas vivendo em caixas
com olhos grudados em caixas
caixa
sobre
caixa
jaula
sobre
jaula
com olhos grudados em jaulas
pessoas vivendo em jaulas
jaula sobre jaula
(há uma janela em minha jaula
de onde vejo o sol nascer
e assim alimento minha ilusão
de ser livre)
terça-feira, 28 de outubro de 2014
Amor que fica.
Eu já contei a história de como conheci sua mãe. De como fomos colegas de escola e acabei a reencontrando dez anos depois, e de como me apaixonei de cara já na primeira vez que a vi. Ela sempre teve esse jeitinho protetor que encantava. Aquele jeito de ajeitar meus óculos quando eles estavam caídos na ponta do nariz, sempre querendo me impedir de fazer merda. Mas eu nunca fui um santo, meu filho, e você sabe disso, tive algumas outras mulheres antes da sua mãe, mas me apaixonar por outra mulher, me apaixonar mesmo, acho que só aconteceu uma vez. Foi quando eu estava na faculdade e ainda era um estudante sem um centavo no bolso. Havia, naquela época, lá pelo Bairro dos A******, uma casa de massagem que era bastante conhecida pela região… sim, casa de massagem é um eufemismo para puteiro, você já não é mais nenhuma criança e por isso estou contando essa história, agora escute. Enfim, alguns dos meus colegas, que geralmente tinham mais dinheiro que eu, costumavam ir com certa frequência, e vez ou outra eu acabava acompanhando só para tomar umas e outras. Eis que, certa vez, acabo me deparando com ela. Lembro como se fosse ontem. Lá estava eu, sentado, falando sobre o gol do Corinthians anulado injustamente no jogo do dia anterior, quando me aparece aquela negona de supetão no meio do bar. Ela tinha cerca de um metro e setenta e ficava mais alta com aqueles saltos. Usava um vestido curtinho, com o cabelo bastante cacheado batendo naquela bunda de fazer inveja a qualquer funkeira dessas que aparece na televisão hoje em dia. Tinha uma cintura que parecia ter sido esculpida pelos deuses. Assim que ela entrou no meu campo de visão, já não conseguia mais nem lembrar do gol do Corinthians que havia sido anulado. Devo ter passado uns dez segundos em transe, boquiaberto, e só fui voltar a mim quando um colega começou a me cutucar o braço perguntando o que eu tinha. Como outras noites ali, claro que eu só tinha o dinheiro da minha parte da cerveja e não podia me dar ao luxo levá-la para o quarto. Acabei saindo pouco tempo depois, e durante as duas semanas seguintes eu só conseguia pensar naquela mulher que eu sequer sabia o nome. Tudo o que eu mais queria, durante aquelas duas semanas, era poder tê-la em meus braços, e a possibilidade de poder possuir aquela mulher em uma cama me obrigou a fazer o que qualquer homem sensato faria: economizar dinheiro para poder voltar lá. E assim, com o fim de duas semanas, finalmente soube seu nome, e finalmente tinha o dinheiro para passar uma noite inteira com ela. Ela se chamava Juliana, e até hoje me pergunto como eu conseguia ficar de pé com as minhas pernas tremendo daquele jeito, de tanto nervosismo, enquanto ela abria a porta do quarto. Aquela mulher tinha o sorriso mais lindo que já vi em toda a minha vida. E passamos a noite toda trancados naquele quarto. Quando eu cheguei devia ser umas oito da noite, no começo do expediente, e quando saí era quase de manhã. E quer saber o que foi engraçado? É que passamos a noite toda conversando, rindo, falando besteira, falando da vida. Nem sequer tiramos a roupa. Ela era da Bahia e não tinha dois meses que estava na cidade. E as semanas que se seguiram depois dali foram, talvez, um dos períodos mais felizes da minha vida. Eu cansei de pegá-la para ir ao cinema depois que ela saía do trabalho, para você ter ideia. Óbvio que eu cheguei a comer depois, e como eu era um estudante liso, ela que geralmente pagava o motel, e devo confessar que foram as trepadas mais sensacionais que já tive na vida, de fazer inveja a Deus e ao Diabo. Mas, como tudo na vida, acaba dando merda uma hora. E o dia da merda acontecer acabou chegando. Certa vez apareceu um capitão de polícia no cabaré, que pelo visto também se apaixonou por ela. Disseram que assim que ele bateu o olho nela, já levou para o quarto. Só que o filho da puta era um cavalo, e a maneira de expressar sua paixão foi dando uma surra nela. Uma das colegas dela que veio me chamar quando a coitada da Juliana foi hospitalizada. A raiva me subiu a cabeça quando me contaram a história inteira, tive vontade de arranjar uma arma e ir atrás do animal que havia feito isso, e quase arranjei, mas acho que um surto de consciência me veio à cabeça, e junto com ele uma das piores sensações que já senti em toda a minha vida, dessas que parece castrar qualquer homem, o de se sentir impotente, de não poder proteger a mulher que está ali do seu lado e saber que quem a machucou continuaria sua vida como se nada tivesse acontecido, como se aquele tivesse sido só mais um dia sem importância. Afinal de contas, o infeliz era capitão da polícia com mais de sete mortes nas costas e eu era só um estudante de direito sem um centavo no bolso. Ainda fui atrás de falar com o tio de um colega que também era policial e conhecia o tal capitão. Sabe o que ele me disse? Que o capitão era um dos homens mais honestos da corporação, que nunca havia chegado atrasado e que sabia como ir atrás dos vagabundos, o filho da puta era temido e intocável. Ela recebeu alta três dias depois, e durante esses três dias não saí do lado dela. A coitada ficou tão assustada, tão traumatizada, que assim que melhorou voltou para a Bahia. Foi com lágrimas nos olhos que ela se despediu de mim, pedindo para visitá-la assim que eu pudesse. Prometi que iria, mas a verdade é que nunca fui, talvez pela vergonha de encará-la depois de me sentir tão covarde por não ter feito nada. Ainda trocamos algumas cartas, e no fim das contas ela acabou se casando por lá e nunca mais tive notícias. Acho ela nunca me perdoou pela minha covardia. Não a covardia de não ter feito nada contra o capitão, mas a covardia de não conseguir olhá-la nos olhos depois de tudo isso.
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
versos do subsolo
faço do mundo que me cerca
uma faca cega
que rasga lentamente minhas veias
e faz jorrar a poesia que nelas corre
derramo meus versos tortos
sobre chão onde piso
para pintar minhas pegadas púrpuras
no abismo
da
existência
uma faca cega
que rasga lentamente minhas veias
e faz jorrar a poesia que nelas corre
derramo meus versos tortos
sobre chão onde piso
para pintar minhas pegadas púrpuras
no abismo
da
existência
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